Na Reserva Ecológica Olho d’Água das Onças, em Picuí, pesquisadores fazem levantamento da fauna de répteis, anfíbios e serpentes
Renato Félix
“As caatingas brasileiras em relação aos
nossos outros biomas, sempre foram as mais negligenciadas. Isso é histórico:
sempre teve o menor investimento de pesquisa”, afirma o biólogo Márcio Frazão,
que comanda uma pesquisa dedicada a um levantamento da fauna na área da Reserva
Ecológica Olho d’Água das Onças, que fica na zona rural de Picuí, norte do
estado. “Se você comparar o que se investe em pesquisas na Amazônia e o que se
investe para se pesquisar em área de caatinga, é ridícula essa diferença”. Uma das
razões para isso é o velho preconceito que esse ecossistema sofre há muitas
décadas. “Isso se dá muito por esse imaginário que se perpetuou durante muito
tempo de que a caatinga seria um ecossistema pobre em número de espécies, pobre
em número de espécies endêmicas”.
O projeto, que é financiado pela Fundação de
Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB) tem o objetivo de provar o contrário: a
riqueza do bioma e, com isso, contribuir para outras pesquisas que venham a ser
feitas sobre a caatinga. Márcio Frazão é desde 2009 professor do curso de
Ciências Biológicas da Universidade Federal de Campina Grande, campus de Cuité
(distante cerca de 26km de Picuí). O trabalho faz um levantamento da fauna de
répteis, anfíbios, anuros e serpentes da região.
“Além desses levantamentos, dessas listas de
espécies, desses inventários de faunas, de répteis, anfíbios, a gente também
busca um levantamento de várias ideias de história natural desses animais –
alimentação, parasitismo, aspectos de reprodução – para que a gente entenda um
pouco mais como essas populações de lagartos, serpentes e anuros se estruturam
dentro das nossas caatingas e como fatores climáticos, ambientais ou de
história natural interferem no equilíbrio e na composição desses grupos”,
explica o biólogo.
O trabalho vai gerar informações que serão
catalogadas como listas de espécies, guias de identificação, livros sobre a
área. “A gente já está desenvolvendo dois trabalhos de conclusão de curso sobre
a biologia reprodutiva de duas espécies de lagartos, que ocorre na área da
reserva”, conta o professor. “A gente também tem alguns dados de populações
específicas de sapos, já tem trabalhos que vão incorporar pesquisas de
doutorado, de mestrado. A gente pretende, sim, a partir desse esforço de
coleta, gerar livros, guias e, principalmente, muitos artigos científicos que
vão, com toda certeza, servir de modelo para subsídio de políticas de
conservação, propostas de educação ambiental”.
São informações que podem ajudar como um um
alicerce para uma exploração mais racional e mais ecológica das nossas áreas de
caatinga. “Essas informações acabam subsidiando outros trabalhos de ecologia,
trazendo ainda mais informações, aumentando ainda mais nosso conhecimento sobre
a herpetofauna das áreas de caatinga e isso é muito interessante para que a
gente consiga assim viabilizar cada vez mais políticas públicas que envolvam
conservação e o uso mais racional das nossas áreas”. Herpetofauna é a fauna
formada por répteis e anfíbios.
“Até o momento acredito que a gente já
levantou algo em torno de 52 espécies de lagartos, sapinhos, pererecas e
rãzinhas, e serpentes”, contabiliza. “Até agora é uma amostra do que é esperado
de áreas de caatinga”. Mas ele aponta que também já começaram a ser
surpreendidos com algumas observações. “Uma coisa interessante que a gente
acabou agregando a essa proposta é o levantamento através de observações de
fotografias de toda a fauna local”, explica. “E aí, sim, a gente tem encontrado
alguns registros bem interessantes. Como comportamentos que nos levam a pensar
em períodos de reprodução para espécies de gaviões. Corriqueiramente, esses
meses iniciais do ano não são o período reprodutivo desses animais. Obviamente
a gente precisa dedicar um esforço maior para entender isso”.
A relação com a chuva é uma questão
importante, inclusive para as comparações sobre o comportamento dos animais em
período chuvoso e o de estiagem. “Estamos aguardando ansiosamente que se
estabeleça outros padrões de chuva lá na reserva para que a gente possa avaliar
uma composição mais próxima do que a gente acha. Esses animais que ocorrem em
áreas de caatinga são extremamente adaptados a esses períodos de seca”,
explica. “A sazonalidade dessas regiões atua, sim, na ocorrência, na
distribuição desses animais dentro das nossas áreas abertas. Então a gente vai
ter o acesso mais fiel à composição dessas áreas quando a gente tiver os
períodos de chuva já bem estabelecidos”.
A chuva influi até mesmo na relação científica
com pesquisadores do Sudeste e Sul do país: é difícil organizar pesquisas em
campo com esse pessoal quando não há um período chuvoso que se possa prever com
maior exatidão. “Coordenar saídas de campo nos períodos de chuvas é uma coisa
muito difícil”, conta. “Você conseguir coordenar os pesquisadores do Sul e
Sudeste, das instituições mais importantes, nos períodos de chuva, sabendo que
a caatinga é um ecossistema onde a distribuição de chuvas é muito aleatória, um
padrão muito complexo...”.
Pesquisadores
visitam a reserva mensalmente
O projeto começou na prática em janeiro deste
ano, mas uma primeira visita à reserva foi feita em dezembro passado. “Tenho
muitos alunos que são de Picuí e das regiões mais próximas da reserva, e eu
sempre converso com o pessoal sobre áreas da caatinga em que a gente possa vir
a desenvolver algum trabalho de levantamento de fauna, de história natural dos
grupos, da herpetofauna que ocorre nessa região”, diz o biólogo. “E conversando
com uma aluna, eu cheguei ao pessoal que compõe a ONG Trilhas na Caatinga, que
me apresentou a reserva. Conheci a estrutura, conheci a área, me encantei com o
ambiente, com as perspectivas, as boas possibilidades de desenvolver trabalhos
lá na área e cá estamos”.
A Associação Trilhas na Caatinga trabalha
com a defesa e conservação da área e já existe há mais de dez anos.
A Reserva Ecológica Olho d’Água das Onças está
localizada a 11km de Picuí. Foi fundada em 2005, possui 35 hectares, com 50%
dedicado à preservação ambiental, mas também com áreas de lazer, um museu da
caatinga e uma área dedicada à agricultura orgânica.
O grupo de pesquisadores visita a reserva uma
vez por mês e ficam três ou quatro dias checando as armadilhas e fazendo as
triagens das coletas de espécimes. São duas metodologias de coleta. Uma, com
armadilhas de intercepção e queda (chamadas também de “pitfall trap”). São
baldes enterrados no chão, distribuídos em forma de “y” (um balde central e
outros três nas pontas), ligados por lonas e estacas.
“O animal bate na lona e segue para um lado ou
para o outro, e tende a cair num desses baldes”, explica o biólogo. “Nós temos
18 linhas de “y”s, distribuídos nos 35 hectares da reserva”. Os baldes ficam
tampados e enterrados quando os pesquisadores n]ao estão na reserva, para
evitar que algum bicho caia lá dentro e ninguém o recolha. “Durante os período
de coleta nas nossas expedições, abrimos os baldes”.
O dia começa cedo para os pesquisadores. O
pessoal que observa as aves já se levanta às 4 da madrugada para chegar aos
postos de observação a tempo de acompanhar as primeiras movimentações pela
manhã. A turma dos répteis e anfíbios parte às 7 da manhã. São três saídas
diárias: acontece também às 14h e às 17h30. “Também durante essas saídas –
principalmente na primeira, pela manhã, e à noite – a gente faz busca ativa
dentro das áreas, vasculhando árvores, serrapilheiras, pedras, vendo as
bromélias, tentando achar animais que por ventura tenham um hábito diferente
dos que estão direto no solo e que não viriam cair dentro desses ‘y’s”. É o
segundo método de coleta: a busca ativa. “O pesquisador estipula um tempo de busca,
de procura, e durante esse tempo ele sai lá vasculhando durante a trilha que
está realizando”.
A cada retorno para a base no acampamento – às
10h, às 16h e às 20h – é feita a triagem do material coletado. “Essa fase de
inventário a gente fecha com um ano de pesquisa”, conta Frazão. “A gente
pretende fazer isso até junho do ano que vem. Mas outras pesquisas vão
acontecer, principalmente para estudar aspectos de ecologia de algumas espécies
específicas. Então é um trabalho para ser desenvolvido a longo prazo”.
Esse conhecimento pode ser valioso para
reduzir o preconceito que envolve uma área tão presente e culturalmente
identificada com a Paraíba. “Sem falar que as caatingas brasileiras sofrem um
impacto muito grande por conta do seu péssimo uso histórico – seja pela
agricultura, pela carvoaria ou extração de minério”, diz Márcio Frazão. “Enfim,
várias práticas que são feitas de forma equivocada e que acabam desgastando seu
solo e aumentando as áreas de desertificação e todos os problemas ambientais
que a gente já conhece”.
Fonte: Ascom PB
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