Aplicativo facilita contato entre agricultura familiar e clientes




Renato Félix

 

Na comunidade rural Várzea Comprida dos Oliveiras, há cerca de 25 km do centro da cidade de Pombal, mulheres comandam uma agroindústria: uma padaria especializada em bolos. Elas não só coordenam o negócio, como produzem elas próprias a variedade também de pães e biscoitos e outros produtos. Mas a comercialização é um desafio: as vendas acontecem apenas dentro da comunidade. Essa dificuldade existe para muitos produtores que trabalham na agricultura familiar: envolve, para começar, que as pessoas saibam onde o o que está sendo vendido. Para ajudar a resolver esse problema, um grupo da Universidade Federal de Campina Grande criou um aplicativo que entrou em funcionamento este mês: o AgriFamGeo.

A Padaria Comunitária Bolo das Oliveiras foi escolhida para a fase de testes do aplicativo concebido pelos professores Ricélia Marinho e Gustavo Sales e pelo então mestrando Damião Rodrigues, todos do campus da UFCG em Pombal. “A gente vê nos textos de pesquisadores de diferentes áreas da sociologia rural que a comercialização é um ponto de entrave para a agricultura familiar”, diz Ricélia, que é geógrafa e professora da área de Ciências do Ambiente e no Programa de Pós-graduação em Sistemas Agroindustriais. “E aí eu ficava pensando o que seria possível para tornar essa situação mais fácil”.

A primeira coisa que ela percebeu é que há grande dificuldade de traçar uma localização exata de onde ficam as comunidades rurais, onde fica a produção da agricultura familiar. “De diferentes setores e instituições diferentes, a gente tem informações que são muito personalizadas”, conta. “Por exemplo, um extensionista rural conhece a área em que ele atua, mas as informações são muito incipientes”.

A ideia do aplicativo surgiu, então, a princípio, para dar visibilidade a esses produtores, muitos “escondidos” nas zonas rurais e sem condições de transportar seus produtos a centros mais movimentados, mesmo em suas regiões. “Nosso objetivo era fazer um mapeamento de onde está essa produção e esses produtores – essas pessoas que trabalham com agricultura familiar no estado da Paraíba”, afirma.

Essa jornada começou em 2014, mas foi acidentada para conseguir recursos. “É um valor muito alto a criação de um aplicativo. É coisa de um milhão pra cima”, conta a professora. A ideia tomou força no trabalho no edital do Governo Federal para estabelecer os Núcleos de Desenvolvimento do Desenvolvimento Territorial (Nedet). “Comecei a fazer diferentes levantamentos de empresas que poderiam subsidiar esse valor”.

Tentativas de emplacar um projeto no Ministério de Ciência e Tecnologia não tiveram êxito. Junto ao CNPq, também não. “Em outro órgão financiador em nível internacional, também não obtivemos êxito: o projeto foi bem avaliado, mas não entrou na cota de financiamento”, lembra ela.

Quando o Centro de Gestão e Estratégias da UFCG fez uma parceria para a implantação de centros de desenvolvimento regional no Brasil, reapareceu a ideia de trabalhar esse mapeamento. E, com ela, a ideia do aplicativo.

Porém, os R$ 700 mil que seriam o financiamento não saiu até hoje por questões burocráticas, embora o projeto tenha sido aprovado. “Em 2018, a gente recebeu no nosso programa de pós-graduação em Sistemas Agroindustriais, na UFCG de Pombal, um aluno com formação em ciências da computação. Era Damião Rodrigues, que acabou integrado ao projeto.

“Ele disse: ‘Eu não entendo muito como a minha área pode se encaixar aqui’. Na minha cabeça, a área já estava encaixada”, brinca a professora. “Desde 2018, Damião trabalha duramente na construção da linguagem da informação para poder construir o aplicativo. Em 2020, ele concluiu o mestrado defendendo os testes do aplicativo”.

 

 

Capacitação faz parte do pacote

 

A padaria comunitária de Várzea Comprida acabou sendo o “case” ideal para esse teste. “A padaria foi escolhida porque é um processo que já é resultado de uma luta de muitos anos, organizada por mulheres rurais”, explica Ricélia Marinho. “Elas conseguiram, com o recurso do Cooperar e com o apoio da gestão municipal, a aquisição dos maquinários, do meio de transporte para fazer a comercialização dos produtos e a construção do prédio. Antes as mulheres faziam bolos em suas casas, para tentar vender junto ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)”.

A padaria comunitária surgiu em 2016. “Ela beneficia não apenas uma família, mas diversas famílias da comunidade’, explica Glauciene Ferreira Freires, presidente da associação das mulheres e que nasceu na comunidade. “A associação é composta por 16 mulheres”.

A UFCG trabalhou com a comunidade no sentido de uma capacitação das padeiras. “A gente fez várias capacitações para falar de alimento saudável e sustentável”, conta Ricélia. “A universidade deu apoio muito importante em relação à qualificação. O pessoal da Engenharia de Alimentos veio com curso de panificação, vendo toda a higienização do processo, a necessidade de fardamento, a qualidade do produto que vai ser fabricado”.

Biodigestores foram implantados e o Comitê de Energias Renováveis atuou para que elas não tivessem que comprometer sua renda pagando a energia elétrica. “Então houve a instalação de um sistema de produção de energia solar”, diz a professora. “Tudo isso nos motivou porque são pessoas que já têm uma consciência pautada no desenvolvimento sustentável”.

Para Glauciene, o AgriFamGeo é uma experiência inovadora. “Principalmente nesse período de pandemia”, afirma, lembrando que a comunidade chegava a vender seus produtos na feira de Pombal, mas parou por conta da crise da covid-19. “Ampliar a comercialização, facilitar a comunicação e levar ao conhecimento maior das pessoas a existência do empreendimento vai ajudar”. Sem falar que a comunicação direta elimina a figura do intermediário, que muitas vezes encarece os produtos.

 

 

Funcionamento garantido até dezembro

 

O AgriFamGeo foi pensado inicialmente em facilitar a transação comercial para os agricultores familiares e comunitários. Mas seu uso vai além disso. “Ele tem outras funcionalidades, principalmente para a gestão pública”, explica Ricélia. As informações preenchidas pelo vendedor e a geolocalização vão gerar informações que vão ajudar nas tomadas de decisão pelos governos no atendimento a esse público. “Ter esse conhecimento através de uma informação segura vai levar a uma proposição inclusive de políticas públicas estruturantes com mais firmeza. A gente vai ter condições de identificar cadeias produtivas, diversidade de produção, localização dos produtores, dificuldade de transporte”.

A fase de testes demorou cerca de seis meses. Após o desenvolvimento, a luta passou a ser a hospedagem do aplicativo. Quando Ricélia teve a chance de participar de um congresso internacional, era a chance de mostrar a ferramenta. Mas aí, era preciso que ela estivesse no ar, funcionando. “Precisei bancar a hospedagem, pelo menos temporária”, conta.

Assim, o AgriFamGeo entrou no ar e permanece em funcionamento até, pelo menos, dezembro. Além da Bolos das Oliveiras, a empresa de polpa de frutas Fonte do Sabor e a Casa da Economia Solidária, também em Pombal, estão no aplicativo. “Lá tem esses três ‘pontinhos verdes’, ou, como chamamos, pontos iluminados”, diz a professora. “O processo de inclusão é rápido, mas está acontecendo lentamente porque, primeiro a gente quer ter a segurança de que só vai ser cadastrado mesmo produtores ou o modo coletivo de produção da agricultura familiar, para a gente não perder o foco e dar realmente a visibilidade a quem precisa”.

Os próximos passos já estão no horizonte. O projeto conseguiu aprovação em um edital da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB). “Nossa ideia é, no próximo passo, priorizar a terceira região geoadministrativa de Campina Grande. O sonho é passar para o estado inteiro e expandir”. Cooperativas de outros estados do Nordeste e até do Rio Grande do Sul já mostraram interesse.

Mas agora que o aplicativo está no ar, acessível por smartphones, tablets ou computadores de mesa, ela avalia que a equipe vai precisar crescer. “Vamos precisar de uma equipe maior para dar suporte e atualizar, promover a capacitação, o preenchimento do banco de dados, a análise do banco de dados”, explica. “Porque nosso interesse também é elaborar documentos, contribuindo com conhecimentos”.

“Conseguimos o financiamento junto à Fapesq no edital 21/2020, que teve como objetivo o financiamento de estudos e pesquisas em ações capazes de contribuir para o desenvolvimento regional”, continua. O valor aprovado para o projeto é de 60 mil. “Com ele a gente vai fazer a aquisição de equipamentos – como drones e computadores – para poder facilitar a sistematização dessa informação através do monitoramento de bancos de dados e também outros específicos para fazer essas análises. São programas pesados que requerem um computador com essa capacidade. E também para a utilização de softwares para georeferenciamento e geoprocessamento de imagens: a gente também tem o propósito de elaborar mapas temáticos para discutir temas específicos”.

 

Fonte: Ascom SEECT -PB

 

 

 

 

 

 


 

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