Entre o trabalho agrícola e a extração mineral: o caso dos garimpeiros de caulim na região do Seridó no Estado da Paraíba
José Aderivaldo
Silva da Nóbrega
Dra. Marilda
Aparecida de Menezes
RESUMO
EXPANDIDO:
Este texto pretende analisar
como os agricultores familiares associam o trabalho em atividades agrícolas e
de extração mineral em espaços rurais, como uma estratégia econômica para
conseguir a renda necessária ao sustento da família. Nos fundamentamos em
pesquisa empírica realizada na região do Seridó no Estado da
Paraíba, onde, tem sido predominante a extração do caulim, que é um
minério com diversas possibilidades de utilização na indústria entre as quais a fabricação de tintas,
papel e revestimentos cerâmicos. A pesquisa fundamentou-se em estudo de caso.no
município de Junco do Seridó, com observação participante, questionários,
entrevistas.
O desempenho
de atividades econômicas de caráter extrativista, como forma de garantir o
sustento da família no meio rural, tem sido uma estratégia importante para os
agricultores familiares. Em Junco do Seridó bem como na região do Seridó, além
da extração de lenha para fabricação de carvão tanto para o consumo familiar
como da venda de lama para fabricação de telhas e tijolos tem sido
predominantemente desenvolvida a extração de outro recurso natural: o caulim.
Trata-se de um material argiloso que é muito importante para indústria dadas as
inúmeras possibilidades de sua utilização: a fabricação de pigmento, de carga e cobertura na
indústria de papel, aplicação como matéria-prima para a indústria cerâmica, a
fabricação de porcelanas, azulejos, esmaltes, etc., aplicação como matriz para
catalisadores, isolante elétrico, agente fortalecedor de borrachas e concretos,
cobertura digestiva de remédios na indústria de fármacos, componente na
fabricação de vidros etc.
O espaço
rural de Junco do Seridó tem se constituído pela ação de diversos atores
sociais como os empresários da mineração, moradores da zona urbana que vem
trabalhar no garimpo, técnicos das agências do Estado que inspecionam o
desenvolvimento da mineração, militares que fiscalizam o uso de explosivos,
técnicos da mineração, os próprios agricultores que se fazem garimpeiros etc.
Tem-se, portanto, uma complexa rede de relações sociais se estabelecendo no espaço
rural de Junco do Seridó em decorrência da expansão da atividade mineração e
envolve intenções e interesses distintos, como para alguns significa uma
atividade de renda, para outros uma
atividade lucrativa desenvolvida com mão de obra barata; ou ainda a
possibilidade de extração mineral sem uma rígida fiscalização e tributação de impostos.
A mineração é
desenvolvida em Junco do Seridó desde a década de 1940, no entanto, nas décadas
de 1980-1990 a atividade se organizou e ampliou a interligação do município ao
mercado nacional através da exportação de caulim e feldspato beneficiados.
Neste período se consolidam no espaço rural pequenas empresas mineradoras, chamadas
de decantamentos, que se especializaram em beneficiar o caulim bruto extraído
pelos garimpeiros. Este tipo de empresa recebe o nome de decantamento porque o
material, quando chega ao seu pátio, é triturado, peneirado e na seqüência é
bombeado, por gravidade, através de tubulações, para um sistema de tanques onde
se inicia a fase de decantação. Daí o nome dado às empresas de beneficiamento.
Os decantamentos são os fornecedores de caulim para outros segmentos da
indústria de transformação tais como
cerâmicas de revestimento, isolantes elétricos, porcelanas etc. situados em
João Pessoa, Campina Grande, Recife, Fortaleza e em outros Estados do país.
O processo de
extração é todo desenvolvido por garimpeiros que não têm vínculo empregatício
com os decantamentos, apenas vendem o material. Este processo tem em comum com
a agricultura a grande exigência de força física, o esforço de curvar a coluna
para escavar a terra. No
interior das minas os trabalhadores, com picaretas e pás, vão retirando o
caulim das rochas e amontoando e, em seguida, colocam esse material em caixas
de ferro que são içadas até a superfície onde são novamente amontoados para
que, posteriormente o caminhão recolha.
Os
garimpeiros se afirmam como agricultores e
filhos de agricultores e agricultoras e, a grande maioria, relatam que
além de se dedicarem ao garimpo desenvolvem a agricultura. Entre os argumentos
que utilizam como uma explicação para combinarem a agricultura e o garimpo está justamente na
dificuldade de manter a família apenas com a produção da agricultura que é
basicamente de feijão, milho, batata e melancia. Além disso, afirmam que o
garimpo tem o atrativo de oferecer uma
renda durante quase todo ano, desde que não seja interrompida pela inundação ou
pela própria ação dos órgãos fiscalizadores. Há pessoas, que atuam como atravessadores, que se dedicam exclusivamente
a formar turmas de garimpeiros, selecionar áreas de exploração e vender o
caulim. Esses homens adquirem guinchos mecânicos, fretam carros para
transportar o material e fazem uma verdadeira campanha para mobilizar força de
trabalho para o garimpo.
A atividade
garimpeira desenvolve-se paralelamente aos decantamentos instalados no
município de Junco do Seridó e é impulsionada justamente pela demanda que estas
empresas oferecem. A força de trabalho que extrai o minério não tem outro
vínculo com as empresas senão o de fornecedores do material e que, por esta
razão, são os responsáveis por selecionar as áreas para extraírem, arcar com os
custos de extração e transporte, com as punições em caso de autuação por algum
órgão fiscalizador, os custos de tratar da própria saúde ou mesmo de lidar com
o risco eminente de morte. Isto, no entanto, não amedronta os trabalhadores que
tem esta como uma importante fonte de renda.
O que nós
temos observado é que a expansão da atividade de extração mineral diversifica
as atividades desenvolvidas no meio rural, cria um pequeno contingente de
trabalho assalariado, com contrato de trabalho formalizado e obedecendo às
determinações da legislação trabalhista, mas também cria outro contingente de
trabalhadores muito mais numeroso que desenvolvem suas atividades em condições
de precariedade e clandestinidade assumindo todos os riscos e todos os
problemas que restarão no meio ambiente com o fim do processo de exploração.
Temos, portanto, no meio rural o estabelecimento de processos de trabalho
informais e precários.
O Estado vem
tentando intervir nesta situação. Sobretudo, a partir de 2003 quando o Fundo
Setorial CT Mineral, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, produziu nos
municípios de Campina Grande PB e de Parelhas RN oficinas temáticas que visavam
discutir a problemática mineral buscando alternativas para o desenvolvimento do
setor nos Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Os desdobramentos deste
trabalho foram, em primeiro lugar, a elaboração de um documento intitulado
“Carta de Parelhas” que reclamava dos gestores das políticas públicas ações
voltadas para o setor e, em segundo lugar, a criação do Arranjo Produtivo Local
“APL Mineral” compreendendo, inicialmente, as cidades no Estado do Rio Grande
do Norte de Acari, Currais Novos, Carnaúba dos Dantas, Equador, Florânia, Lajes
Pintadas, Jardim do Seridó, Parelhas, Santana do Seridó e na Paraíba
Juazeirinho, Tenório, Junco do Seridó, Assunção, Pedra Lavrada, Nova Palmeira,
Picuí e Frei Martinho.
A
conseqüência inicial da formação do APL foi a articulação entre o Estado e os
onze municípios do Seridó Oridental para criação de um pacto pela melhoria das
condições de exploração da atividade minerária. Em 2007, o governo da Paraíba
juntamente com o SEBRAE, a FINEP, o INSA, a UFCG, os municípios, as empresas e
os garimpeiros, assinaram vários convênios, criaram o Shopping da Pedra na
cidade de Junco do Seridó e estabeleceram o Programa de Desenvolvimento da
Mineração (PROMIN). O objetivo do PROMIN e do Shopping da Pedra foi articular
os garimpeiros em cooperativas e eliminar a figura dos atravessadores, bem como
realizar cursos sobre o manejo de explosivos, segurança no trabalho, etc.
Diante deste
panorama, podemos considerar que a atividade mineradora em Junco do Seridó tem
se estruturado a partir da ação conjunta de Estado, Empresas, Cooperativa e os
próprios garimpeiros que fizeram do meio rural espaço produtivo do setor
mineral identificado pelas políticas públicas com Arranjo Produtivo Local de
Base Mineral Pegmatitos PB/RN. Estabeleceu-se uma dinâmica em que ocorre a
associação da agricultura com a garimpagem e, essa associação, não reduz a
importância da agricultura, mas se torna juntamente com ela uma importante
estratégia para a manutenção da família.
O que ocorre é
que os garimpeiros, nos períodos mais chuvosos do ano acabam dedicando sua
jornada diária ao garimpo e à agricultura. Neste caso, as estratégias de
combinação são as mais variadas possíveis: trabalham no garimpo das seis às
quinze horas e posteriormente trabalham no roçado; trabalham um turno no
garimpo e outro na agricultura; desenvolvem apenas as atividades “mais pesadas”
no roçado enquanto que as outras ficam sob a responsabilidades de serem
desenvolvidas por filhos e/ou esposas; dedicam-se, nos dias em que a água
inunda as minas, somente à agricultura. Apesar da diversidade das formas em que
o garimpo é combinado com a agricultura, o que não se pode perder de vista é
que o vínculo com a agricultura não cessa quando os agricultores vão trabalhar
no garimpo e que, no período de inverno, o garimpo não para, mas apenas ocorre
uma reorientação da jornada de trabalho do garimpeiro.
Assim, concluímos que a
inserção dos agricultores no garimpo não eliminou o trabalho agrícola dos
homens que extraem o mineral caulim, mas promoveu uma combinação que é
influenciada pelo calendário agrícola, pelas variações climáticas e pelas
relações de gênero na familia.
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